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Hemingways

  • Francisco Weughardney Maciel Medeiros
  • 13 de out. de 2015
  • 4 min de leitura

​O filme Brancos Elefantes é uma adaptação livre do conto Hills Like White Elephants, de Ernest Hemingway[1] (1927), produzido no ano de 2012, por Sara Mabel Ancelmo Benvenuto, professora e mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará, e formada em realização fílmica pela New York Film Academy.

Brancos Elefantes possui aproximadamente 7 minutos de duração e narra um jovem casal que se encontra num impasse, demonstrado num diálogo sobre um determinado assunto aparentemente inacabado, enquanto prova algumas bebidas em algum restaurante próximo a uma estação de trem. Num primeiro momento (ou numa primeira leitura) não é apresentado explicitamente o elemento chave da discussão, mas algumas sentenças são sugestivas e abrem caminhos para o lançamento de hipóteses, o que nos dá a sensação de querer rever o filme e montar o “quebra-cabeça” proposto na semiose envolta dos personagens.

No conto de Ernest Hemingway assim como na adaptação de Sara Benvenuto são lançados algumas pistas que servem para identificar o assunto que é tratado de uma maneira tão oculta para nós por meio dos diálogos, quanto o tabu que o cerca: o aborto. De cara, a cineasta faz uma pequena brincadeira com o título do filme em uma breve passagem em que a moça fala Pink Elephants ao invés de White Elephants[2]. As duas expressões são dirigidas com ar de indireta ao parceiro para se referir à criança que estão esperando.

White Elephants de Hemingway é uma expressão mitológica originada no antigo Sião, em que um elefante branco, animal raro e sagrado, quando presenteado pelo rei, deveria ser levado para casa e ficar sobre cuidados mesmo sem ter nenhuma utilidade. O Pink Elephants, de Benvenuto, refere-se a um doce indiano que ao ser ingerido causa uma sensação de conforto e livre arbítrio. O doce, quando causa o efeito esperado, muda totalmente o indivíduo, tornando o momento diferente de todos os outros. Pode-se então perceber que, por mais que a temática e o desenvolvimento do filme sejam semelhantes ao conto adaptado, há, nas duas expressões, diferentes pontos de vistas dos personagens em relação ao “elefante” que está chegando.

Nos diálogos do filme[3], discursos como “Vai dar tudo certo. Não precisa temer. É rápido e simples. E estarei com você.”, “Como será quando eu acordar?”, “A mesma coisa. Como era antes. Não precisa fazer se não quiser...”. são os primeiros indícios para uma tomada de decisão acerca do aborto. Em alguns pontos o rapaz tenta passar disposição em seguir com a gestação, pelo apreço que sente em relação a parceira: “Posso lidar com isso. Posso aturá-lo se você quiser.”. Mais adiante começam a surgir ações e procedimentos que refletem, e deixam mais claro o assunto. A moça demonstra o interesse em levar a gravidez adiante quando diz “Não significa nada para você? Nós podemos dar um jeito”, mas se perturba com a insistência de seu parceiro, evitando que a discussão seja desenrolada para como será realizado o aborto, com um tom sarcástico em seu consentimento.

Como trata-se de uma linguagem audiovisual, Benvenuto preencheu sua obra com muitos elementos cinematográficos que deram maior significado ao enredo. Nos enquadramentos vemos o casal dividido num plano de profundidade por uma barreira transparente, sugerindo sinceridade entre ambos, mas com opiniões opostas, marcadas pelas suas posições opostas no quadro. Quando se encontram juntos à mesa, na parte interna do estabelecimento, temos um plano over-shoulder no rapaz, visualizando a parceira sempre do busto à cabeça, sugerindo que ele não consegue vê-la grávida, dando a pouca importância que tem.

Quanto ao uso do leitmotiv, o ambiente possui detalhes de verde na arquitetura do estabelecimento, remetendo a juventude (ameaçada). Encontra-se também na cor quente da iluminação interna, a primeira vista num lugar extremamente apertado, dando a sensação do aconchego e conforto que o útero deve transmitir. A cor rosa prevalece nas vestes da personagem feminina, remetendo a ideia do Pink Elephants (Elefantes Rosas)[4], assim como o preto das vestes do rapaz, passando o lado obscuro de suas intenções.

O desfecho é incerto. O homem, apesar de demonstrar seu desinteresse em seguir com a gravidez, é submisso ao poder de escolha da mulher. Esta toma uma atitude que abre dois caminhos para a compreensão de sua decisão; e isso é visto no último enquadramento: foco no cigarro. Numa primeira impressão, ela pode ter decido por levar a ideia do aborto adiante. Mas com certo peso na consciência, ingenuamente evita fumar um último cigarro por ele – o bebê, como um último favor, ou ação benéfica. Numa segunda impressão, a moça pode ter seguido um rumo totalmente oposto. A ação de largar o cigarro pode emitir uma ideia de levar a gravidez adiante, evitando, a partir daquele momento, qualquer coisa que prejudique a gestação. Assim como a bebida que mal foi tocada.

O curta-metragem não segue a mesma linha visual do conto de Hemingway. Sara Benvenuto optou por uma adaptação global[5], apresentando o casal protagonista em um cenário diferente do descrito pelo conto inspirado. Assim, nota-se a escolha por alguns elementos inexistentes no texto literário, mas preservando a ideia e a suposta temática abordada. Situando no enredo e na direção do filme, o casal se encontra na posição deste Ser que está na berlinda; presos, ora juntos, ora separados, comprometidos e condenados, num misto de técnicas cinematográficas, tornado assim a adaptação elegante e equilibrada.

[1] Escritor norte-americano, ganhador do Nobel de literatura em 1954.

[2] Encontrado no conto de Hemingway.

[3] A partir daqui vou me reter a apenas a análise fílmica, independente do conto de Hemingway.

[4] A moça carrega consigo uma vida. Ela pertence àquele ser, e ele pertence a ela. Eles são um só.

[5] Aqui pode ser entendido como a reformulação, ou omissão, ou redução, ou sintetização do texto-fonte (Hills like white elephants), mantendo o vínculo ao núcleo semântico essencial, à estrutura de ideias ou de funções.


 
 
 

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