A sutileza de uma vidraça
- saramabela
- 4 de jan. de 2016
- 3 min de leitura
Sara Rodrigues de França

O conto, Hills Like White Elephants, escrito por Ernest Hemingway, e a adaptação fílmica Brancos Elefantes, dirigida por Sara Bevenuto apresentam um misterioso dilema vivido por um casal que aparentemente enfrenta um momento de discórdia.
Hemingway, escritor norte americano também foi autor de uma vasta obra, incluindo romances e contos, como “O Velho e o Mar”, sendo seus escritos famosos por revelarem sua intensa relação com a Espanha, lugar onde viveu parte de sua vida. Em Hills Like White Elephants, o escritor opta por uma linguagem repleta de simbolismo para compor o conto, que se passa em uma estação de trem onde um casal está a caminho de Madri. O homem é americano e a moça que o acompanha parece um tanto inquieta com alguma decisão relevante que os dois devem tomar. Eles discutem a respeito de ela fazer algo que seria melhor para os dois, decisão que não parece agradá-la. O fato de o casal ter como destino uma cidade espanhola e o homem ser americano pode ser ligado à vida do autor, que optou por deixar subentendido o aborto como tema da trama.
No conto, um casal conversa enquanto esperam a chegada do trem. O diálogo entre o homem e a moça é confuso e deixa claro que os dois estão desconexos e possuem pontos de vista opostos em relação à decisão que devem tomar. A representação do elefante branco no conto está relacionada ao modo como a moça deseja que seja o futuro do casal. Simbolicamente, um elefante branco significa um presente irrecusável e difícil de manter. Apesar de não estar explícito no texto, subentende-se que a moça esteja grávida e não quer interromper a gravidez. Ela parece desejar que o bebê nasça e traga com ele um ritmo diferente para a vida do casal, desejo que vai contra a vontade do seu parceiro, que sugere um procedimento simples e rápido para interromper a gestação. Na visão do homem, com isso feito, o casal poderá seguir viajando e seguindo um estilo de vida onde não há espaço para uma criança. A instabilidade no comportamento da moça pode sugerir imaturidade diante de seu parceiro, que não abre mão da liberdade do casal.
Na adaptação fílmica Brancos Elefantes os elementos visuais, a trilha sonora e o diálogo são usados como elementos para a narrativa do filme. O ritmo do filme parece condizer com a instabilidade da personagem feminina. Mesmo sendo ela que aparentemente conduz as ações na trama, assim como no conto a atriz parece ingênua e submissa diante do homem. As escolhas dos elementos visuais deixam clara a distância e a intensidade do conflito vivido pelo casal, como o fato de eles iniciarem o diálogo através de uma vidraça, um objeto sutil que parece aumentar a distância entre os dois. No conto, a moça aparenta cansaço em apenas viajar e provar novas bebidas, podendo uma mudança de vida ser seu principal desejo no momento. No filme, a personagem feminina opta por não terminar sua bebida, sendo que só o homem esvazia o copo, fato que revela mais um ponto de discordância entre os dois, e o desejo do homem de apenas seguirem viajando.
O desfecho do conto, em uma primeira leitura, pode revelar uma lacuna, não sendo possível ao leitor saber ao certo que rumo será tomado pelo casal. Apesar disso, as últimas falas da protagonista sugerem que algo foi finalmente decidido. No filme, Sara Benvenuto optou por apresentar o desfecho através de cenas que representam a decisão da moça. O plano que exibe os copos de bebida, o dele vazio e o dela intocado, pode sugerir que a gravidez não será interrompida, e que a vida dos dois não se resumirá mais a viajar e provar novas bebidas. O último plano, com um cigarro não aceso e a partida do casal após a chegada do trem, pode sugerir que o casal seguirá apenas viajando, ao passo que abandonar o cigarro sem fumá-lo pode reforçar o desejo de uma mudança de vida com a vinda de um novo ser, sendo que o futuro dos dois estará sujeito à escolha da moça.
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